Não raro ouço este tipo de objeção na hora de fechar contratos contínuos:

Será mesmo? Hoje vou me debruçar sobre este raciocínio. Consideremos que estamos diante de uma proposta de serviços de R$2.000,00 por mês, já que este é mais ou menos o patamar de valor em que este argumento começa a ser levantado. Portanto, a alternativa seria contratar um funcionário com salário nominal de R$2.000,00.
Overhead trabalhista
A primeira e mais evidente falácia neste raciocínio é convenientemente ignorar o chamado overhead trabalhista, que compreende os encargos legais que se somam ao salário nominal de um funcionário, como INSS, FGTS, VT, VR, 13º salário e férias. Pode ser calculado simplificadamente aqui. Vamos, então, calcular o overhead trabalhista de um salário nominal de R$2.000,00:

Ou seja, na hipótese levantada, já temos um custo efetivo na casa dos R$3.500,00, isso considerando que a empresa paga só o mínimo obrigatório, sem conceder mais nenhum benefício, como planos de saúde. Só isso já seria suficiente para invalidar completamente este argumento, mas fique comigo porque tem mais, muito mais.
Cost of allocation
Enfim, já que estamos num cenário de ter alguém trabalhando dentro da estrutura da empresa, e como ela iria ocupar um espaço finito, precisamos calcular qual seria a quota-parte dela no que é pago no aluguel comercial e todos os demais custos necessários para estruturar este ambiente de trabalho.
Neste cálculo, pequenas despesas podem passar debaixo do radar e causar uma desagradável surpresa no final do mês. Portanto, também temos que considerar o impacto desta pessoa nas estações de trabalho adicionais, nas contas de luz, água, telefone, seguros, manutenções, materiais de escritório, higiene e limpeza etc.
Tudo isso é o COA — Cost Of Allocation, e aqui tem uma explicação detalhada de como calculá-lo. Basicamente somamos todos os custos de estruturação de uma operação e o dividimos pela quantidade de pessoas da equipe, encontrando, assim, as quotas-partes individuais nos custos gerais.
Neste outro link há uma calculadora de aluguel comercial. Utilizei-a para simular o aluguel de um escritório de médio porte em uma metrópole.
Considerando um escritório simples, sem luxos, para uma pequena empresa com 20 pessoas, temos uma estrutura de custos fixos e variáveis próxima disso:




Ficou impressionado com o alto custo de manter uma estrutura? Não por acaso muitas empresas estão ampliando políticas de home office. Um relatório divulgado no final de 2017 pela Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt), aponta que este sistema é capaz de melhorar a produtividade em pelo menos 20%, o volume de negócios em 10% e o índice de faltas em -25%. O estudo mostra ainda que o teletrabalho é uma realidade de um quarto das companhias do Brasil e que a quantidade de funcionários em home office deve dobrar até o fim da década, passando de 7,5 milhões para 15 milhões, com base nas projeções do IBOPE-NIELSEN.
Enfim, esta estrutura básica implicaria em um COA individual de cerca de R$ 1.473,46 por mês. Se, ao invés de ter escritório próprio, a empresa optar por espaços de coworking, este também é um valor médio que cobram por pessoa. Ou seja, os custos diretos e indiretos com este funcionário já estão na casa de R$ 4.971,24 por mês. Mas senta que ainda tem mais.
Custos de turnover
Apesar desta impressionante avalanche de custos, o que é visível para os empregados é apenas um salário nominal de R$2.000,00, que é baixo. É comum que os profissionais remunerados nesta faixa não se engajem com o empregador e fiquem na empresa por curto período, aceitando propostas que pagam pouco mais, como R$2.500,00 ou R$3.000,00. Portanto, em pouco tempo, devem ser absorvidos os custos da rescisão contratual, que podem ser estimados aqui. Pela calculadora deste link, estimei esses custos considerando que foi o funcionário que pediu o boné:

Nas empresas que adotam esta filosofia de trabalho, observo um tempo médio de permanência de apenas 3 meses. Portanto, devemos dividir os custos rescisórios por 3, uma vez que dispomos de apenas 3 meses para absorvê-los.
Rescisão contratual: R$665,74
Treinamentos e curva de retomada de produtividade: R$3.497,98, considerando-se uma
estimativa otimista de 30 dias para onboarding, treinamentos e aclimatação do novo funcionário.
Pro-rata mensal: R$1.387,91 por mês.
O que nos coloca em R$5.859,82 por mês de custo efetivo.
Reservas para contingências
As boas práticas de gestão empresarial recomendam fazer reservas de caixa para processos trabalhistas, principalmente no Brasil, que tem isso forte em sua cultura. Ainda que a maioria das pequenas empresas não faça essa reserva, temos que considerar como se ela existisse, já que, quando sair o processo, o que é apenas uma questão de tempo, esse dinheiro vai precisar sair de algum lugar. Existem várias formas de calcular esta reserva, mas, para simplificar, consideremos que 5% do salário nominal (ou seja, R$100,00) é destinado para um fundo reserva para essas contingências. Estamos em R$5.959,82.
Recrutamentos
Supõe-se que estes profissionais não vão ser recrutados de forma amadora, certo? Os custos com recrutamento estão relacionados aos de turnover, e serão pagos ou na forma de horas-homem de uma equipe de RH interna ou para uma consultoria externa, o que é o mais comum para empresas desse porte. Nos dois casos, é de praxe no mercado de RH aproximarmos esse custo como um fator de 100% do salário nominal do cargo almejado, ou seja, R$2.000,00.
Esse custo precisa ser absorvido por apenas 3 meses, que é o tempo médio de permanência dos profissionais em um ambiente de turnover alto. O que nos dá um pro-rata mensal de R$666,66. Enfim, nossa “mão-de-obra barata” já nos custa R$6.626,48 por mês.
Gerente para comandá-lo
Tá, você contratou o seu funcionário. E aí? Vai “delargar” as tarefas dele e passar para o próximo assunto? Seria muita ingenuidade acreditar que a simples contratação de um profissional júnior de baixo salário resolveria as demandas com plenitude. Profissionais com este perfil não têm autonomia, experiência e expertise, logo, eles precisam ser gerenciados.
Isso deve ser feito por um gerente sênior ou pelo próprio empresário, o que seria mais grave, pois teríamos que calcular o valor-hora do empresário neste gerenciamento. Para simplificar, vamos considerar que temos um gerente com um salário nominal de R$6.000,00. Também vamos supor que o gerente, por ter um salário melhorzinho, não é trocado a cada 3 meses. Portanto, os overheads deste salário ficariam assim:
Salário nominal: R$6.000,00
Overhead trabalhista: R$3.523,33
COA: R$1.473,46
Reserva para contingências (5%): R$300,00
Subtotal: R$11.296,79
Total
Portanto, estamos falando de um custo efetivo de cerca de R$17.923,27 para conseguir pôr em prática a “alternativa” de contratar um funcionário com um salário nominal igual a uma proposta de serviços de R$2.000,00. O que os olhos não vêem, o bolso sente!
Conclusão
O pior é que, mesmo depois disso tudo explicado, muitos empresários insistem na opção da contratação interna, não sei se por fé genuína neste modelo ou por orgulho ferido. E qual não é minha surpresa quando fico sabendo que os profissionais que botam pra dentro saem em apenas 3 ou 4 meses. Pois é.
Meu pensamento sobre isso é bem pragmático mas não pretendo demover a fé de ninguém. Que continuem insistindo nisso até quando seus Caixas permitirem.
Por todo o exposto, sempre que ouço essa linha de argumentação, penso que ocorre uma destas possibilidades:
- O empresário é amador e não sabe gerenciar e metrificar o próprio negócio. Neste caso, posso ajudá-lo;
- O empresário está iludido. Posso ajudá-lo, mas tendo a recusar porque mudar sistemas de crenças é complicado;
- O empresário tem consciência do descabimento do raciocínio, mas o levanta apenas como uma tentativa de barganha. Neste caso, ninguém pode se ajudar. Ele espera algum tipo de desconto que me faça operar no prejuízo e eu recuso com força.