Fragmentado

O mundo atual vive sob o primado da ultra-especialização. Conceito este que passou a ser regra no mercado a partir da Revolução Industrial, que, por sua vez, bebe da fonte de René Descartes, com sua doutrina hoje designada como “cartesianismo”.

Folha de rosto do Discurso Do Método, magnum opus de Descartes.

Seu pensamento foi revolucionário no contexto em que estava inserido, em que a Igreja se imiscuía em todos os assuntos e determinava o que era certo e errado, com seus dogmas. Portanto, não havia, ainda, uma tradição de produção de conhecimento.

Sendo considerado um dos precursores do movimento racional-científico, e até mesmo o pai da filosofia moderna, defendeu a tese de que a dúvida é o primeiro passo para se chegar ao conhecimento. Seu axioma que caiu na sabedoria popular “penso, logo existo”, na verdade é algo como “duvido, logo penso, logo existo”.

Além de filósofo, também foi um grande matemático, com contribuições monumentais, usadas até hoje:

O Plano Cartesiano, invenção de Descartes.

Faz parte do DNA cartesiano:

1.Dúvida hiperbólica

Duvida-se de tudo, como ponto de partida. Não de forma moderada, mas extrema, levada às últimas consequências. Portanto, colocando em suspeita nosso próprio juízo e a Realidade em si. O único ente cuja existência não podemos colocar em dúvida é nosso próprio ato de estar duvidando, daí o famoso axioma.

2.Dualismo psicofísico

O corpo é uma máquina, composta por engrenagens trabalhando em harmonia. O corpo é separado da alma. Estas entidades são feitas de substâncias diferentes e residem em reinos diferentes, com alguns entrecruzamentos eventuais. Pensamento afetando a matéria? Nem pensar!

3.Mecanicismo separatista

Colocando a Física como o tronco da Árvore do Conhecimento, considera-se que a Realidade é composta, apenas, de corpos em movimento. Todos os outros fatores, como “essências” e subjetividades, devem ser deixados de lado. Não são apenas desprezíveis, como também não possuem existência demonstrável. Aplicado à psicologia, tem sua epítome no behaviorismo, que chega a negar a existência da consciência, propondo que ela seria um mero epifenômeno de processos bioquímicos.

4.Tributo à razão

Retomando tradições gregas, defende que a razão é a única maneira de se obter conhecimento. Todas as outras fontes nos enganam, como a fé, a intuição, as emoções e o próprio input de dados dos sentidos.

5.Análise racional em pacotes discretos

O famoso método cartesiano é uma proposta de dedução pura. Dividir um problema grande em pedaços menores e dissecá-los um por um é a essência da dúvida metódica. Pedaços estes que, depois de analisados individualmente, dão o completo entendimento do todo.

Estes preceitos chacoalharam os paradigmas da época e rapidamente se espalharam pelo mundo. Desde então, todo mundo passou a se enxergar e se portar como uma engrenagem da máquina. A produtividade de toda a cadeia passou a depender da eficiência com que cada um se dedica a fazer apenas uma coisa. Portanto, podemos entender a Revolução Industrial como a aplicação nos negócios desta filosofia mecanicista.

Então, eis que este modelo tornou-se o novo paradigma. Em que pesem sua importância histórica e as inúmeras conquistas da ciência obtidas pela aplicação deste método, sua extrapolação acabou inadvertidamente fundando uma nova era de dogmas que marcaram principalmente o século XX:

1.Dúvida hiperbólica ao quadrado

Duvida-se de tudo, mesmo. Há um certo charme em manter um ceticismo tão elevado que se transmuta em cinismo. Duvida-se, principalmente, do trabalho realizado por outros, podendo-se chegar ao ponto de negar séculos de evidências, culminando em fenômenos como o terraplanismo.

2.Só é bom quem faz uma coisa só

A expectativa social é que cada um tenha um emprego focado. Se o seu trabalho for colocar a máquina inteira para funcionar, navegando por todas as disciplinas, gera estranheza e incredulidade.

3.Quem faz muitas coisas é “que nem pato”

“Anda, nada, voa e não faz nada direito”. Quem nunca ouviu essa? Muitas vezes fazer uma coisa só é uma escolha meramente estratégica, e não uma limitação real de expertise. Afinal, não queremos que os clientes pensem mal de nós, certo?

4.Para produzir duas vezes mais rápido, basta contratar duas vezes mais recursos

Com o mecanicismo e separatismo, vem o pensamento linear. Nove grávidas fazem um bebê em um mês? Não é assim que funciona. O aumento de produtividade pela adição de recursos funciona de forma incremental até certo ponto, até que a curva começa a se estabilizar e, eventualmente, cair. Chega uma hora que gente demais mais atrapalha que ajuda.

Além disso, também há uma assunção de que o impacto de um profissional numa equipe se restringe à sua formação. Assim, não dando certo com um, basta contratar outro com formação igual. Ignora-se completamente os efeitos imensos do magnetismo pessoal de cada indivíduo e, de repente, tem-se uma equipe de pessoas formalmente competentes mas que produzem pouco e resmungam e conspiram contra a empresa na “rádio corredor”. Tal fato surpreende justamente os empresários que ignoram ou desprezam as dimensões psicológicas, emocionais e espirituais dos profissionais, na hora de escolhê-los.

Seguindo o mesmo entendimento linear de “mais é mais”, por muitas vezes prefere-se contratar dois ou até cinco “mãos-de-obra baratas” ao invés de contratar apenas um bem remunerado e capaz de atender às necessidades, saindo-se, assim, com a ilusão de que se obteve mais com os mesmos recursos financeiros. Ilusão essa que é desmascarada e desfeita na elevada taxa de turnover e nos resultados em si, que comprovam que cinco profissionais juniores não fazem, juntos, o que um sênior motivado faz.

5.O Todo é a soma das partes

Acredita-se que o Todo pode ser completamente compreendido através da análise pormenorizada de suas partes constituintes. O pressuposto é que a máquina, uma vez desmontada, retorna ao pleno funcionamento depois de ter as peças recolocadas nos lugares corretos. Um ser humano dissecado volta à vida depois de ter os órgãos colocados no lugar? O oxigênio e o hidrogênio, analisados individualmente, têm algum indício de água?

6.Integralismo não pega bem na rodinha

Na roda dos amigos inteligentinhos, ousar falar em “holismo” e “abordagem sistêmica” é certeza de perda de prestígio, passando a ser endereçado como uma pessoa frágil, impressionável e irracional. Quase algo sub-humano.

7.Cada um com seus problemas

Como a máquina só precisa que cada engrenagem faça seu próprio trabalho, todos se limitam ao seu escopo sem nenhuma preocupação com sua correlação com os demais, ou o “ajuste”, na terminologia do Michael Porter. E ninguém se interessa mesmo pelo trabalho dos outros, afinal, não estão sendo pagos para isso…

Fragmentado

Assim, uma operação padrão geralmente é desmembrada entre vários fornecedores. Contratam uma agência de design gráfico, outra de web design, outra agência de Google Ads, outra de redes sociais, outra de marketing de conteúdo, um consultor de SEO e mais uma equipe interna para tentar colocar todas essas peças no lugar. Esses fornecedores nutrem conflitos de interesses e trocam pouca ou nenhuma informação entre si. Neste modelo, raramente alguém está em posição de realizar ajustes holísticos que abrangem todos os envolvidos na operação, vendo, em tempo real, o impacto que cada engrenagem gera no todo e fazendo com que as ações nutram coerência entre si.

“Aqui, ninguém ajuda ninguém”, como diria um “mentor” que tive num dos meus primeiros empregos.

Com cada um olhando apenas o próprio umbigo, nutrem uma visão fragmentada da realidade, um Frankenstein é montado e aí podemos ver, como resultantes típicas, anúncios ótimos que conduzem a landing pages péssimas, ou o contrário, landing pages ótimas mas com geração de tráfego pobre, toneladas de leads sendo gerados mas sem converter em vendas e uma infinidade de outras situações que acontecem quando o trabalho não é integrado.

O papel integrativo deveria ser trabalho do designer, que tem, a princípio, a capacidade de unir os pontos para gerar conexões intencionais. Infelizmente, o sentido da palavra “designer” acabou deturpado e relegado a um mero fazedor de panfletos e cartõezinhos de visita.

Esta situação, repetida ad infinitum, acaba se caracterizando como um mal da nossa era. É chegado o tempo de uma nova forma de entender o mundo, uma nova filosofia de negócios que entende que o Todo é maior do que a soma das partes, adota outras fontes de inspiração além da razão pura e que considera todas as dimensões dos problemas, para potencializar as soluções.

Este é o futuro do pensamento que está prestes a mudar tudo.

É chegada a hora do pensamento sistêmico.

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